Maria da Conceição observa as ruínas da casa onde morou por mais de 60 anos (Foto: Gazeta de Alagoas/Robson Lima)
Famílias choram pelos desaparecidos
Santana do Mundaú - A última imagem que José Leôncio Neto tem guardada do primo, o comerciante Gilmar Alves, 45 anos, talvez não se apague nunca de sua memória. Naquele fim de tarde do último dia 18 de junho, Santana do Mundaú vivia momentos de terror. A fúria do Rio Mundaú derrubava casas e devastava a cidade.
Do alto do primeiro andar de um mercadinho, ilhados, Leôncio e mais um grupo de funcionários do estabelecimento lutavam pela sobrevivência e observavam a batalha de Gilmar para se manter vivo.
Gilmar era dono de uma pousada, em Santana do Mundaú, às margens do rio, próximo à ponte que faz a ligação entre as duas partes da cidade. Desde cedo, quando percebeu a subida do nível do rio, Gilmar correu para tentar salvar móveis e objetos de sua pousada.
Mulher é arrastada de uma cidade a outra
Branquinha – Agarrada ao marido, ela lutava para sobreviver. Haviam sido pegos de surpresa. A água subia rápido e a força da enxurrada crescia de maneira assustadora.
Tinha ido ao povoado Duas Estradas, em Branquinha, para trabalhar. Substituiria durante dois dias a merendeira de uma escola local. O dinheiro das duas diárias viria em boa hora.
Jamais imaginou que pudesse estar naquela situação, entre a vida e a morte, e mal sabia que seria a protagonista de uma das histórias mais impressionantes daqueles dias de desespero. Ela escaparia milagrosamente da morte depois de descer 15 quilômetros de rio, em meio ao “tsunami”.
Na terrível noite do último dia 18 de junho, a dona de casa Maria Lúcia Correia, 35 anos, o marido dela, o agricultor Ronaldo Teles Cavalcante, 19, e mais cinco pessoas travavam luta feroz contra a correnteza.
Salva graças a um botijão de gás
Alguns quilômetros rio abaixo, Maria Lúcia esbarrou em um pedaço de madeira e agarrou-se a ele. Depois se segurou em um botijão de gás. Foi a sua salvação
A dona de casa Maria Lúcia Correia viu perfeitamente quando passou em Branquinha. Ouviu gritos desesperados de pessoas que estavam em igual situação. Esbarrou em galhos e pedras. Foi muito castigada. Sofreu cortes pelo corpo. Ao mesmo tempo, a chuva forte não parava de cair.
Alguns quilômetros rio abaixo, já sem forças, esbarrou em um pedaço de madeira e agarrou-se a ele. Metros adiante, conseguiu se segurar em botijão de gás que descia com a correnteza. Foi a sua salvação.
Pouco mais de três horas depois de ter se separado do marido, já no município de Murici, Lúcia esbarrou em um troco de árvore. O impacto foi tão forte que lhe quebrou uma costela. “Quando eu bati, perdi o resto das forças e soltei o bujão e o pedaço de madeira”, lembra ela.
Mãe ouviu apelos do filho pelo celular
União dos Palmares – O “tsunami” que desceu o Rio Mundaú provocou estragos em União dos Palmares e carregou com ele dois pedaços do coração da comerciante Maria Aparecida Soares da Silva. Ela perdeu o marido, o comerciante Antônio Alves da Silva, 48 anos, e o filho, Amauri Alves da Silva, 20.
Os dois tentavam salvar as mercadorias do mercadinho da família, situado às margens do Mundaú, quando o prédio de dois andares, onde a família também residia, não aguentou a pressão da água e foi arrastado pela correnteza. Para aumentar ainda mais a dor de Aparecida e das duas filhas dela, os dois corpos ainda não foram encontrados.
“Jamais pensei que isso pudesse acontecer com a nossa família”, lamenta Aparecida. Abrigada na casa de parentes, um mês depois da tragédia ela tenta recomeçar a vida. Mas vai ser muito difícil se recompor psicologicamente.
Gari sai para visitar a família e some
Branquinha – Entre as histórias tristes de vítimas que desceram o rio para não mais serem encontradas, está o drama do gari José Cícero da Silva Clemente, 39 anos. Galo, como era conhecido, comoveu os moradores de Branquinha, onde ele morava.
No dia da enchente, Galo correu para ajudar a mãe e as irmãs a salvar móveis e outros pertences. Ele morava na parte alta da cidade com a mulher e dois filhos.
Depois de salvar da enxurrada o que conseguiram, José Cícero, a mãe e as irmãs foram pra casa de um irmão dele. Lá, todos tomaram banho, trocaram as roupas molhadas e jantaram.
“Ele vestiu uma roupa emprestada do meu irmão, um casaco vermelho e uma bermuda da mesma cor, tomou um prato de sopa e saiu. Disse que precisava voltar pra casa, para ver como estavam a mulher e os filhos”, conta a irmã dele, a dona de casa Rosineide da Silva Clemente, que está em um dos abrigos na cidade de Branquinha. Era a última vez que ela, a mãe e as irmãs veriam Cícero.
Comerciante lembra momentos de sufoco
Quebrangulo – A cidade onde nasceu o escritor Graciliano Ramos não vai esquecer tão cedo da última revolta do Rio Paraíba. Parte da cidade ficou destruída. Mais de mil casas ruíram. 120 prédios comerciais e 29 prédios públicos viraram destroços. Quase cinco mil pessoas ficaram desabrigadas. Por sorte não houve vítimas fatais.
Mas para que essa estatística fosse mantida, muita gente teve que travar uma luta feroz contra as águas para poder sobreviver. Foi o caso do pacato comerciante Aristácio Clementino de Paula, 35 anos. Na tarde de sexta-feira, dia 18 de junho, em meio ao temporal que desabava, ele recebeu um telefonema de Bom Conselho. “O Açude da Nação rompeu, muita água vai descer. Avise aos moradores de Quebrangulo”, alertava o amigo de Aristácio.
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